quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Papel da Reforma do Sector Público para Boa Governação [1]



"Lamentar as experiências vividas é uma forma de impedir o próprio desenvolvimento."
                                                               Oscar Wilde (1854-1900)[2]

Esta breve comunicação tem como objectivo analisar a contribuição das reformas do sector público em curso nos países africanos para a consolidação dos princípios da Boa Governação no contexto dos processos de desenvolvimento levados a cabo nestes países.

Numa primeira fase, discute o contexto do surgimento destas reformas e as causas que estiveram por detrás do surgimento das mesmas, para depois analisar o papel que as reformas do sector público podem desempenhar para o fortalecimento da Boa Governação.

Os anos de 1980 e 1990 testemunharam a emergência de uma série de reformas político-administrativas que iam acontecendo à escala universal, com particular destaque para os países africanos em vias de desenvolvimento. Estas reformas viriam a tornar-se nos dias de hoje, objecto de vários estudos e pesquisas por parte de académicos, politólogos, administrativistas e policy makers.

O papel do Estado, a organização da Administração Pública, os princípios e normas do seu funcionamento foram sujeitos a um questionamento visando ajustá-los à novos contextos. Como resposta, muitos países em via de desenvolvimento e, africanos em particular, embarcaram numa onda de reformas do sector público. Estas reformas que faziam parte dos Programas de Ajustamento Estrutural financiados pelo Banco Mundial nos anos de 1980, tinham como finalidade dotar a Administração Pública destes países, de maior capacidade institucional por forma a puder dar resposta, de forma eficiente, eficaz e satisfatória às demandas da colectividade. Não só, mas também transformar a Administração Pública num agente impulsionador do desenvolvimento socioeconómico e garante da estabilidade macroeconómica.

A necessidade de adoptar estas reformas administrativas surge num contexto em que, após o ano de 1960 a maioria destes países ter conquistado a independência e, dada a necessidade de implementar um novo processo de desenvolvimento socioeconómico e reconstrução pós-conflito a escala nacional e acima de tudo, uma nova ordem administrativa, estes países optaram por adoptar sistemas administrativos e económicos centralmente planificados (típicos de regimes socialistas) em que o processo de planificação e tomada de decisão era reservado aos Órgãos centrais.

Face à esta medida, o Estado chamou para si inúmeras funções e papéis em todos os domínios da sociedade, quer a nível económico com destaque para a regulação do mercado, quer a nível social onde a função de prover bens e serviços públicos tais como saúde, educação e um conjunto de infra-estruturas vitais ao desenvolvimento eram da pura responsabilidade do Estado.

Entretanto, os resultados destas medidas foram pouco animadores. Assistiu-se a um Estado cada vez mais sobrecarregado e acima de tudo, cada vez mais ineficiente e ineficaz na provisão de bens e serviços públicos às populações. Esta situação resultou na insatisfação dos cidadãos e perca de confiança para com as instituições estatais, alimentando actos de corrupção, clientelismo e nepotismo o que no seu conjunto, contribuíam para o mau funcionamento da Administração Pública.

Associados a estes elementos, outros podem ser associados, como tendo contribuído para a emergência da onda de reformas administrativas nos países africanos. (i) o fracasso das estratégias socialistas de desenvolvimento, o que terá colocado estes países num estado de dependência financeira externa; (ii) a onda de democratização iniciada nos anos 80 que ia acontecendo um pouco por todo o mundo, trazendo consigo a necessidade de maior participação dos cidadãos e da sociedade civil na gestão e monitoria dos serviços públicos e políticas públicas; (iii) a crescente internacionalização das trocas comerciais que exigia sistemas administrativos que minimizassem os riscos associados ao comércio internacional e por último, a eclosão de conflitos internos resultantes da exclusão de certos actores do espaço político.

Estes elementos levaram a que nos finais de 1980, as agências financeiras internacionais da Bretton Woods (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional) apoiassem os países africanos (na sua maioria enfrentando crises) a implementarem programas de reformas administrativas. Numa primeira fase, a ênfase foi colocada sobre a estabilidade macroeconómica por meio da redução dos gastos governamentais, controlo da inflação e redução de deficits fiscais.

Entretanto, reconhecendo-se o papel do Estado no processo de desenvolvimento, estas reformas estenderam-se ao aparato administrativo público. A ideia subjacente a este propósito era a de que a presença em África, de uma Administração Pública ineficiente e de instituições desajustadas aos contextos locais e actuais eram as causas do fracasso das políticas de desenvolvimento e que sendo assim, as reformas do sector público teriam como objectivo, fortalecer a capacidade do Estado, entendida esta como a habilidade para desenhar as regras de convivência, realizar acções colectivas através de políticas publicas de forma excelente, eficiente e eficaz e ainda, assegurar a preservação dos direitos civis e humanos dos cidadãos. Estas reformas viriam mais tarde a figurar dentro de um paradigma que ficou conhecido como o paradigma da nova gestão pública – New Public Management.

De uma forma geral, o paradigma da Nova Gestão Pública advoga a orientação da Administração Pública para o cidadão/cliente sugerindo para tal: (i) a adopção pela administração pública, de princípios da gestão privada; (ii) o estímulo à competitividade na provisão de bens e serviços públicos; (iii) o estímulo à eficiência de modo que a Administração Pública possa implementar da melhor forma as políticas públicas com os recursos disponíveis; (iv) o estímulo à descentralização, esta entendida como a transferência de recursos, responsabilidades, competências, poder de tomada de decisão e alocação de recursos do escalão central para o escalão local permitindo assim, a aproximação dos serviços públicos aos cidadãos e uma gestão destes mesmos serviços pelos beneficiários.

Entretanto, importa referir também que, para além de terem como objectivo principal o reforço da capacidade do Estado e da Administração Pública em particular, as reformas do sector público são visualizadas como um pré-requisito para o reforço da Boa Governação.

Consta na literatura que uma efectiva governação é assegurada mediante a existência de mecanismos que garantam: (i) a participação dos vários estratos sociais na identificação dos seus problemas e busca de soluções; (ii) a descentralização de recursos, responsabilidades, competências e poder de tomada de decisão dos níveis centrais para os níveis locais; (iii) a transparência na gestão dos recursos públicos, visto que estes resultam da contribuição dos indivíduos e como tal, há uma necessidade de garantir o respeito pelo seu esforço; (iv) accountability que inclui a prestação de contas (horizontal e vertical) e a responsabilização dos agentes administrativos e políticos.

A Boa Governação é também avaliada pela capacidade do Estado formular políticas públicas e em decidir dentre várias opções, a mais adequada e implementa-la mediante um problema concreto na sociedade, com vista a satisfação das necessidades colectivas.

Porém, as políticas públicas, entendidas como um conjunto de decisões governamentais que visam produzir efeitos na sociedade, operam dentro de um ambiente constitucional e institucional e a sua efectivação ou não, é influenciada pelas variáveis existentes a nível destes ambientes, isto é, a capacidade da máquina burocrática do Estado puder implementá-las. É nesta perspectiva que as reformas do sector público acabam assumindo um papel preponderante na medida em que estas visam, como foi referido anteriormente, fortalecer a capacidade do Estado, podendo ser do ponto de vista das capacidades gerais (por exemplo, a capacidade de elaborar, implementar e gerir políticas macroeconómicas) ou específicas (por exemplo, a capacidade de arrecadação de receitas).

Não só, mas também as reformas do sector público podem fornecer alicerces para: (i) o desenvolvimento de sistemas contínuos de monitoria e avaliação de políticas públicas, programas de actividades, projectos e desempenho dos órgãos governamentais; (ii) o aprimoramento do atendimento ao cidadão, mediante simplificação de processos e procedimentos, eliminação de exigências e controlos desnecessários e facilidade de acesso aos serviços públicos; (iii) maior transparência mediante a disponibilização contínua de informação aos cidadãos; (iv) a existência de um quadro de recursos humanos profissionalizado, com qualificações e habilitações à altura de corresponder as demandas da sociedade; (v) a existência de um conjunto de princípios uniformes de elaboração e execução orçamental incluindo a monitoria e avaliação de modo a garantir a responsabilização dos agentes administrativos no que a gestão de recursos públicos diz respeito.

Portanto, concluo afirmando que o sucesso das políticas públicas de desenvolvimento e criação do bem estar em África e em Moçambique em particular, dependem da existência de uma Administração Pública cada vez mais modernizada, dotada de capacidade institucional, de quadros profissionalizados e de estruturas administrativas que permitam maior coordenação intersectorial entre os diferentes Órgãos e níveis da administração do Estado. Por esta razão, há uma forte necessidade de as lideranças políticas assumirem o seu comprometimento e disponibilidade em levar a cabo acções não só de impacto imediato mas também de impacto a médio e longo prazos.

Notas:
[1] Artigo publicado no Jornal Notícias nos dias 10, 11 e 12 de Janeiro de 2011
[2] Escritor Irlandez

1 comentário:

  1. hey,mano Miguel foi com grande apanagio apreciar o seu blog e saber que ja existe em ti a ideia de reflexao sobre o estagio das reformas e principalmente dos pressupostos que orientam a boa governacao...

    Parabens
    passei por aqui....

    mais informacoes, visite http://exorcismodepalavras.blogspot.com/

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