domingo, 10 de abril de 2011

Pobeza versus Exclusão Social: “Sabores diferentes que coabitam no mesmo prato”: uma nota ao discurso de combate a pobreza em Moçambique


O combate à pobreza tornou-se nos últimos anos a palavra de ordem de muitos Estados em vias de desenvolvimento, africanos em particular. Após o ano de 1960 e pouco depois de 1980, políticas de desenvolvimento sócio-económico que tinham em vista a criação do bem estar social passaram a fazer parte da agenda de governação de vários países, em ordem a alterar o cenário de pobreza então vigente, em parte, resultante da colonização europeia e por outro, dos conflitos internos seguidos logo após a independência e de opções de desenvolvimento que de longe terão produziodo resultados animadores.

Entretanto, se por um lado, regista-se um aumento significativo de políticas de desenvolvimento visando o combate à pobreza, o que a aparentemente revela a existência de uma vontade colectiva das lideranças africanas, o mesmo já não se pode dizer em relação aos resultados por aquelas gerados. Em Moçambique, por exemplo, dados existem, que indicam que há cada vez mais pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza.
Moçambique continua a ser um dos países mais pobres do mundo. Segundo a classificação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, baseada no Produto Interno Bruto  (PIB) e no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Moçambique ocupa o 169o e o 172o lugares, respectivamente (UNDP, 2009).[1]

“O relatório de auto-avaliação publicado em Fevereiro de 2009 pelo MARP afirma que o node pessoas abaixo da linha de pobreza está a crescer, e que o fosso entre ricos e pobres se alarga, criando um potencial de exclusão social e de conflitos (MARP, 20090. A análise mais recente dos rendimentos rurais conclui que os agregados familiares mais pobres em 2005 são consideravelmente mais pobres do que os agregados familiares mais pobres em 2002, enquanto as famílias mais ricas em 2005 são consideravelmente mais ricas do que as famílias mais ricas em 2002. A média dos rendimentos nas áreas rurais é de apenas 16 MT por pessoa e por semana – cerca de USD $30 por pessoa por ano - mas para 40% das famílias mais pobres, os rendimentos emdinheiro são de apenas 6 MT por pessoa, por semana, ou seja, USD $12 por ano.”[2]


De acordo com o relatório do MPD à propósito dos dados do inquérito nacional ao orçamento familiar (IOF08/09) – que analisa o comportamento das condições de vida da população entre 2003 – 2009,  conduzido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o país registou avanços assinaláveis em aguns indicadores não monetários da pobreza (educação, saúde, qualidade de habitação). O mesmo já não acontece em relação à pobreza de consumo. As medidas de 2008/09 da pobreza de consumo, não reduziram como o desejado e apresentam variações significativas entre as zonas do país.

Embora a pobreza de consumo tenha declinado significativamente entre 1996/97 e 2002/03, o IOF 2008/09 mostra que a pobreza de consumo (medida pelo índice de incidência da pobreza) a nível nacional é em 2008/09 essencialmente a mesma que em 2002/03.

Ainda segundo o IOF 2008/09, entre 2002/03 e 2008/09, a pobreza decresceu 9.3 pontos percentuais na zona do Norte (de 55.3% para 46.5%) e 9.6 pontos percentuais na zona do Sul do país (de 66.5% para 56.9%). A zona Centro experimenta um aumento de 14.2 pontos percentuais (de 45.5% para 59.7%).

A nível provincial, as maiores reduções em taxas de pobreza encontram-se em Cabo Delgado (-26 pontos percentuais) e Inhambane (-23 pontos percentuais). Ao invés, Zambézia (26 pontos percentuais) e Sofala (22 pontos percentuais) destacam-se como as duas províncias com os maiores aumentos nos índices de incidência da pobreza desde 2002/03.

O cenário apresentado que de certa forma levanta algumas inquietações, convida-nos a uma profunda reflexão sobre a eficácia das políticas públicas de desenvolvimento e de combate a pobreza actualmente em curso no país.

Não deixa de ser verdadeira a asumpção de que o fenómeno da pobreza deve ser percebido numa perpesctiva holística, visto ser este influencido  por factores quer sejam de ordem económica, política, social, cultural, religiosa, etc.  Mas na visão do autor desta reflexão, a definição e percepção que os indivíduos tiverem sobre a pobreza em cada momento de desenvolvimento das sociedades, influenciará fortemente a eficácia ou não, das políticas e medidas do seu combate.

A pobreza é definida no PARPA II (2006 - 2009) como sendo “a impossibilidade por incapacidade, ou por falta de oportunidade de indivíduos, famílias e comunidades de terem acesso as condições mínimas, segundo as normas básicas da sociedade”.

Meu argumento principal é que a pobreza não deve pura e simplesmente ser percebida como a ausência no indivíduos ou nas famílias de capacidades ou oportunidades que lhes permitam o sustento. A pobreza deve ser situada numa perspectiva ampla e indissociada de factores como a exclusão e protecção social.

Vejamos: a exclusão social, seja ela motivada por factores políticos, religiosos, etnolinguísticos, regionais, etc, priva o indivíduo de se beneficiar de um conjunto de direitos e oportunidades que lhe são inerentes como membro de uma colectividade tais como: i) oportunidades económicas (acesso ao crédito, facilidades de negócios, etc); ii) oportunidades sociais (emprego e protecção social, escolaridade, etc); oportunidades políticas (participação política, controle social do acção governativa, etc). Excluído, o indivívuo torna-se incapacitado e acima de tudo, sujeito não participante dos processos de desenvolvimento da comunidade a qual pertence e sendo assim, de longe usufruirá dos benefícios ali gerados.


Deste modo, o exercício da acção governativa deve assegurar a inclusão de todos os actores e estractos sociais, independentemente da filiação partidária e/ou religiosa, raça, origem étnica, etc. É por essa razão que, em Estados modernos como o nosso, cabe a este implantar mecanismos formais de protecção social acessíveis a todos os indivíduos, mecanismos estes que garantam a existência de oportunides e capacidades que lhes confiram um conjunto de condições mínimas aceitáveis segundo os padrões da sociedade. Não só, mas também para puderem fazer face às contingências da vida (doença, velhice, deficiência, incapacidade de trabalho, etc).

Em Moçambique, a demasiada limitação do sistema de protecção social formal leva a que a maioria da população moçambicana encontre no sector informal a única fonte de protecção social. Diante desta situação, a actuação do Estado não deve consistir simplesmente em eliminar o sector informal, como afirmam António Francisco e Margarida Paulo. Para estes académicos, “a convergência entre a economia formal e informal implica que ambos sectores contribuam para a transformação e conversão do tipo de economia mercantilista prevalecente, numa economia verdadeiramente de mercado, em que sejam as relações de mercado, em vez das relações ideológicas e políticas, a determinar as dinâmicas entre produtores e consumidores”.



[1] [1] Ver Cungura, B. & Hanlon, J. (2010). O fracasso na redução da pobreza em Moçambique. Development studies institute
[2]  Ver Hanlon, Joseph (2010) Basta dar dinheiro aos pobres. In Protecção Social: abordagens, desafios e experiências para Moçambique (IESE, 2010)

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